RACISMO RECREATIVO
Influenciadoras que deram banana a crianças negras são condenadas à 12 anos de prisão
A decisão é da juíza de Direito Simone de Faria Ferraz, da 1ª vara Criminal de São Gonçalo/RJ, que enquadrou a conduta como racismo recreativo.
20/08/2025, 10:27 -

As influenciadoras digitais Nancy Gonçalves Cunha Ferreira e Kerollen Vitória Cunha Ferreira foram condenadas a 12 anos de reclusão após publicarem vídeos em que entregaram uma banana e um macaco de pelúcia a duas crianças negras.
A decisão é da juíza de Direito Simone de Faria Ferraz, da 1ª vara Criminal de São Gonçalo/RJ, que enquadrou a conduta como racismo recreativo, afirmou que o crime, ao ser divulgado nas redes sociais, ganhou contornos de "verdadeira monstruosidade" e fixou indenização de R$ 20 mil a cada vítima.
Entenda o caso
Segundo a denúncia do MP/RJ, em março e maio de 2023, as influenciadoras, mãe e filha, abordaram as crianças nas ruas de São Gonçalo para gravar vídeos. Em um deles, entregaram uma banana a um menino de 10 anos; em outro, deram um macaco de pelúcia a uma menina de 9 anos. Os conteúdos foram divulgados nas redes sociais em tom de recreação e deboche.
As crianças revelaram que, após a exposição, sofreram humilhações na escola e em seus círculos sociais. O menino relatou que passou a ser chamado de "macaco" e "banana" por colegas, enquanto a menina precisou iniciar acompanhamento psicológico em razão do isolamento e tristeza decorrentes do episódio.
Na sentença, a magistrada afastou a alegação de que as acusadas não tinham consciência do caráter racista de suas condutas, reforçando que a justificativa de "brincadeira" não se sustentava diante da realidade.
"Nada mais absurdo querer fazer crer que nesses dias de conhecimento imediato, fácil acesso, as rés não soubessem o que é racismo. Não viviam as rés em tribo isolada, sem rede social, longe de tudo e de todos, absortas em si. Não e não! Faziam seu ganha pão, nada módico, é bom de ver, justamente em publicações em rede mundial de computadores."
Na sequência, destacou que foram as próprias acusadas que admitiram postar os vídeos e sabiam dos seus conteúdos, afastando a tese de inocência.
"Ora, de igual forma foram as rés que declararam que postavam treads, que outros o faziam também, que já os tinham visto, que sabiam seus conteúdos. Ora, não postaram uma 'inocente brincadeirinha' como quiseram fazer crer. Não, as rés criaram conteúdo, ridicularizaram as crianças.
Pouco importa se no momento em que [...] recebe uma banana e [...] um macaco de pelúcia não tivessem, naquele momento, repito, a perfeita consciência da chibata em seus pequenos corpos. Não, o crime se protrai no tempo e ganha contornos de verdadeira monstruosidade quando publicam, sem dó e respeito, suas reações imaturas e inocentes em rede social.
Destaco que o momento em que se dá a consumação é justamente após as postagens, com a extrema divulgação, nesse momento é que após cientes das ofensas as crianças são vitimadas."
A magistrada também enquadrou a conduta no conceito de racismo recreativo, ressaltando que não se pode naturalizar a violência racial sob a roupagem de piada ou entretenimento. Para ela, transformar a ofensa em espetáculo público amplia os efeitos da discriminação e perpetua estigmas sociais.
Por fim, a sentença comparou os atos à repetição de práticas históricas de opressão contra pessoas negras.
"O que fizeram as rés, em íntimo de vontades, foi sangrar, mais uma vez, em açoites os nascidos de África. [...] Ao fazer jocoso o anseio de crianças entregando-lhes banana ou macaquinho de pelúcia, animalizando-as para além do humano, riram de suas opções cegas, em verdade sem escolha.
Pior, ao afirmarem que nada fizeram, que ao outro cabia a culpa da disseminação do ódio, lavaram as mãos, brancas, como senhores de engenho antes de cada taça de vinho. E, é nessa esteira de ódio e dor que não há cabida para minorar os efeitos de tamanho racismo."
Na dosimetria, a juíza fixou a pena em 6 anos de reclusão e 45 dias/multa para cada crime cometido contra as duas vítimas, totalizando 12 anos de reclusão e 90 dias/multa, com fundamento no art. 2º-A, parágrafo único, c/c art. 20-A da lei 7.716/89 e art. 69 do CP. As condenadas não terão direito à substituição por penas restritivas de direitos nem ao sursis, por ausência de requisitos legais.
Além da prisão, a sentença determinou o pagamento de R$ 20 mil de indenização para cada vítima, totalizando R$ 40 mil, a serem pagos solidariamente pelas rés. Embora condenadas ao regime fechado, as mulheres poderão aguardar em liberdade até o trânsito em julgado, sujeitas às medidas cautelares já impostas. (Fonte: migalhas.com.br).